VIOLÊNCIA SEXUAL
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A Organização Mundial da Saúde (2002)1 considera violência contra a mulher qualquer ato que cause ou tenha alta probabilidade de causar dano físico, sexual, mental ou sofrimento, incluindo as ameaças desses atos, a coerção ou a privação arbitrária da liberdade, independentemente de se ocorrida na vida pública ou privada.1 A violência sexual se caracteriza por qualquer contato sexual não consentido, tentado ou consumado ou qualquer ato contra a sexualidade de uma pessoa com o uso de coerção, perpetrado por qualquer pessoa em qualquer ambiente. (...)
O Ministério da Saúde (2011) reconhece a violência sexual como questão de saúde pública e aponta que uma em cada quatro mulheres no mundo é vítima de violência de gênero com perda de um ano de vida potencialmente saudável a cada cinco anos. No Brasil, 70% dos crimes contra a mulher acontecem no ambiente doméstico e são praticados, na sua maioria, pelos parceiros íntimos.
Contudo, a violência contra a mulher não se limita à esfera privada ou familiar e mostra características de um problema social. De acordo com Villela e Lago (2007), é necessário enfrentar essa problemática nos âmbitos públicos da segurança, do direito e da saúde, pois a violência sexual provoca uma gama variada de consequências nas suas vítimas. (...)
Para Soares (1999), é a partir da denúncia que surge a possibilidade de reconhecimento da violência que ocorre no espaço privado. A partir daí, esse problema pode ser integrado a políticas públicas, com discussões e busca por definições, soluções, ações, tratamentos e criminalização dessa forma de violência. A denúncia da violência proporciona o reconhecimento de quem a sofre e reduz sua invisibilidade. No entanto, Drezett et al. (2011) advertem que temores em geral, receio do exame pericial, medo de ser desacreditada e sentimento de humilhação são fatores que podem dificultar a revelação da violência sexual.
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Em vista disso, nos estudos sobre violência sexual de homens contra mulheres é necessário considerar a posição que é dada a elas ao longo da história e buscar compreender a dinâmica psíquica que o estupro envolve, assim como suas marcas e consequências psicológicas.
(...) Impactos que a violência sexual acarreta para as vítimas
Entre as principais consequências estão lesões físicas, gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e o impacto psicológico. Também são citados os danos à saúde mental, como ansiedade, depressão e suicídio. Mattar et al. (2007) acrescentam outros aspectos, como sentimentos de medo da morte, sensação de solidão, vergonha e culpa. Na mesma direção, Drezett (2000) relata que podem ocorrer transtornos da sexualidade, incluindo vaginismo, dispareunia, diminuição da lubrificação vaginal e perda do orgasmo, que podem evoluir para a completa aversão ao sexo.
A violência sexual pode gerar outras consequências, conforme ressaltado por Mattar et al. (2007), como problemas familiares e sociais, abandono dos estudos, perda do emprego, separação conjugal, abandono da casa e prostituição, como parte dos problemas psicossociais relacionados a essa dinâmica.
A dinâmica traumática da violência sexual
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Segundo Early (1993), a violência do abuso sexual pode levar à delimitação confusa das próprias barreiras e dos próprios limites, estigmatização, vergonha, traição, dissociação e repetição.
O mesmo autor (1993) ressalta que a invisibilidade é o desejo de muitas vítimas de violência sexual. As vítimas veem a si mesmas como “sujas”, “feias” e “nojentas”. O autor sustenta a tese de que com a dissociação do trauma psicológico surgem a negligência e o abandono da pessoa que foi abusada. A mulher se vê imunda e percebe a si mesma e ao seu corpo com vergonha.
A sobrevivente desse trauma, ao ter suas barreiras violentadas, tenta construir novos limites entre si mesma e o mundo. Porém, tais delimitações são construídas improvisadamente pela dinâmica do trauma, por meio de ganho de peso, desleixo pessoal, falta de cuidado consigo mesma ou a procura de não ser atraente sexualmente. Pode também desenvolver problemas dermatológicos, de aprendizagem ou de comportamento.
Os dois principais sintomas associados ao transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) são evitação e repetição, que podem levar a mulher a evitar contato sexual ou colocar-se em situações nas quais pode ser revitimizada.
Para Early (1993), há certo tom de fatalidade em relação ao futuro de uma pessoa que sofre violência sexual, especialmente se foi crônica ou se ocorreu na infância. É como se a sobrevivente do trauma estivesse inclinada a ocupar a posição de vítima de novas traumatizações, impossibilitada de obter conscientemente o controle da própria vida.
Por outro lado, a dissociação é uma estratégia de enfrentamento frequente para mulheres que sofrem violência sexual e a estigmatização pode resultar em diminuição da autoestima e dificultar o crescimento emocional. A compulsão de repetir a experiência traumática pode ocorrer de múltiplas formas, frequentemente sutis. Ao longo da vida, elas podem associar sexo com algum elemento vivido durante a violência sexual. Uma possibilidade seria um tratamento psicológico, que pode oferecer à mulher a possibilidade de elaborar essa experiência.
Segundo Levine (1999), a violência sexual pode trazer diversas consequências por meio de transtornos, mas também nas relações cotidianas. Quando os sintomas se tornam frequentes e permanentes, passam a se expressar de forma patológica, como TEPT, transtornos alimentares, depressão, tentativa de suicídio, dificuldade nas relações afetivas e sexuais.
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Mulheres que sofrem violência sexual apresentam índices mais severos de transtornos e consequências psicológicas, como TEPT, depressão, ansiedade, transtornos alimentares, distúrbios sexuais e distúrbios do humor. Outras variáveis podem ser agregadas, como maior consumo ou abuso de álcool e de drogas, problemas de saúde, redução da qualidade de vida e comprometimento do sentimento de satisfação com a vida, o corpo, a vida sexual e os relacionamentos interpessoais. Existe significativa associação entre violência sexual e altos índices do TEPT, com sintomas que incluem dissociação, congelamento e hipervigilância e podem permanecer por muito tempo.
O excesso alimentar e o abuso de drogas e álcool são usados por algumas vítimas como forma de diminuir a ansiedade e reprimir as memórias traumáticas. O TEPT pode ser observado como mediador entre a violência sexual e os transtornos alimentares, como tentativa de autoproteção contra nova violência. Pode atuar também como mediador no desenvolvimento de transtornos sexuais, embora não esteja suficientemente esclarecido o papel do ato de penetração nessas disfunções. As vítimas geralmente apresentam maior insatisfação sexual, perda de prazer, medo e dor, sintomas que podem permanecer após anos da violência. A relação com a própria imagem, a autoestima e as relações afetivas também são afetadas negativamente e limitam a qualidade de vida. Existe permanência desses transtornos, que podem ser duradouros e estender-se por muitos anos na vida dessas mulheres.
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