Afinal, o que há por trás da Síndrome da "Boa Pessoa" (ou o complexo do Salvador)?
A SÍNDROME DA BOA PESSOA
No seu sistema psíquico inconsciente, há uma confusão ontológica entre:
– DESEJO DE AGRADAR VERSUS DAR AMOR. –
Em suma, alguém que está nesta síndrome procura ser uma boa pessoa, sendo refém dessa imagem que quer transmitir aos outros. Por sua vez, um salvador procura sempre náufragos emocionais para validar a sua necessidade em querer salvar.
Um salvador quando não encontra vítimas perde a sua utilidade. Com isso, observa-se com frequência um salvador rodeado de relacionamentos tóxicos.
Na realidade, por detrás desta síndrome, há uma faceta emocional oculta e dolorosa que o seu Ego procura reprimir ao máximo. Alguém que se assume que tem por missão querer ajudar e salvar o mundo, anulando-se a si mesmo, nada mais está na necessidade emocional em querer agradar o outro e, com isso recebe em troca ingredientes emocionais vitais que lhe estão em falta como:
VALOR, RECONHECIMENTO, ATENÇÃO, ETC…
Embora se autoproclame como sendo uma “boa pessoa” que se sacrifica pelo bem-estar do outro, essa estratégia serve somente para ocultar um sentimento de culpa inconsciente que resiste em reconhecer.
Quando opta por pensar em si mesma, descobre que o mundo a traiu e, tudo que faça na sua boa intenção é perdido e não recebe o que merece. Anseia inconscientemente pelo reconhecimento do outro.
“Eu ando a ajudar todo mundo e, no fundo, acabo por apanhar com tudo em cima de mim”;
“Eu sou boa pessoa, ajudo toda a gente e a vida tem sido ingrata comigo”;
“Como é possível a minha vida não andar para a frente se eu faço tudo pelas pessoas que estão a minha volta?”
Caso estes sejam os pensamentos que lhe atravessam na mente no momento em que os seus relacionamentos não funcionam como deviam, estamos perante a presença dessa Síndrome, sendo necessária ser reconhecida.
O QUE É A SINDROME DE BOA PESSOA?
A síndrome de “boa pessoa” ou complexo do Salvador é uma estratégia de sobrevivência aprendida na infância e que se tornou automática para o inconsciente. A síndrome surge em ambientes familiares onde a criança experimentou um relacionamento parental físico e/ou emocionalmente ausente, discussões constantes, um pai agressor, uma mãe depressiva que se vitimiza frequentemente, excesso de pressão externa sobre família, carências financeiras ou outro qualquer factor que obriga os pais a desligarem-se emocionalmente dos filhos, mesmo quando estão presentes à sua frente. Perante este cenário, há um abandono real ou emocional que leva com que a criança procure trazer os pais para casa, desejando inconscientemente ser o salvador dos mesmos.
Para sobreviver num cenário de abandono, aprender anular as suas necessidades emocionais mais elevadas, como alegria, brincadeira, exploração, curiosidade, independência…
A psicogénese da síndrome surge porque há uma necessidade desse “ser” ocupar um lugar que falta na dinâmica familiar como: um pai protetor, uma mãe amorosa, um avô seguro, uma avó trabalhadora, um irmão que faleceu precocemente, ou outro qualquer membro familiar que seria fundamental para o equilíbrio do sistema. Este tema é amplamente explorado por Bert Hellinger, no livro “As ordens do Amor”.
Por forças inconscientes, essa criança é obrigada a sair do seu lugar, sendo a roda suplente de um elemento em falta na família. Ao ocupar esse lugar de substituição, suspende o seu desenvolvimento emocional para suportar o drama da família e, nesse momento, passa a ser amada e reconhecida pelo clã disfuncional.
“Que bom menino que és em ajudares só os outros…”
“Que boa menina que és em cuidar da tua mãe…”
“Não sejas egoísta, pensa primeiro nos outros e depois em ti.”
A CRIANÇA DESCOBRE QUE, AO SACRIFICAR-SE, CONSEGUE OBTER ATENÇÃO, VALOR, RECONHECIMENTO POR PARTE DA SUA TRIBO.
Assim, ao longo do desenvolvimento infantil, aprende a sacrificar a sua vida, tornando-se essa missão e o Hino da Sua Existência, gritando com uma sensação de orgulho vazio: “É o meu dever… É a minha obrigação…”, encontrando nessa contrariedade o valor no qual carece.
A “boa pessoa” vive sufocada pela máscara do “bem parecer”, do “querer agradar” e converte-se em alguém de valor para os outros. Para ela, é mais importante o reconhecimento das outras pessoas do que a sua própria vida, acabando por reprimir desejos, sonhos e ambições. Quando se atreve a pensar nela mesma, dispara um alarme psico-emocional chamado de CULPA (emoção tóxica e altamente corrosiva) que trava qualquer iniciativa individual.
A DOENÇA PSICOSSOMÁTICA É RESULTADO DESTA INCOERÊNCIA INTERNA.
Esta síndrome cria um complexo de Salvador (“sem mim, o que seria de ti?!”), tratando os outros como crianças indefesas que não sabem o que precisam. O salvador conhece todas as fórmulas e todos os caminhos e, ironicamente, incompetentes em encontrar soluções para si mesma.
(...)
COMO TRANSCENDER A SÍNDROME DE BOA PESSOA?
“ATÉ VOCÊ SE TORNAR CONSCIENTE O INCONSCIENTE, ESTE IRÁ DIRIGIR A SUA VIDA E VOCÊ VAI CHAMÁ-LO DE DESTINO” CARL G. JUNG
1 – O primeiro passo é entrar em contato com esta informação. Por norma, esse contato pode ativar mecanismos de defesa psíquicos que despertam uma sensação de desconforto físico, intestinal, tensão muscular ou outra sensação interna considerada “desagradável”, como se levasse “um murro no estômago”. Caso lhe tenham ocorrido estes sinais significa que o inconsciente está a procurar chamar atenção para a informação lida e que reconhece a mesma. Se assim é, terá uma oportunidade única em resolver este problema com um profissional que conheça e trabalhe com esta síndrome.
Outra possibilidade é sentir um alívio por reconhecer a informação, reconhecendo a “mentira” no qual tem vivido através desta síndrome, movimentando-o em direção à libertação e prazer, autorizando-se a assumir um estilo de vida mais INDIVIDUALISTA e EGOÍSTA (no sentido saudável da palavra).
2 – Compreender a função positiva da síndrome, isto é, aceitar que o seu propósito foi colmatar fortes carências emocionais por parte da família. Embora condicionado na infância, como adulto já não necessita desse modelo de comportamento associado à síndrome, mas como o Inconsciente é Inconsciente, a síndrome funciona como um chip automático que controla a base de controlo racional.
Nesta fase, é fundamental enveredar por terapia no qual aborda toda esta dinâmica inconsciente, psicoterapia, em conjunto com algum trabalho com constelações familiares. Por experiência, contato frequentemente com clientes que vivem hipnotizados por esta síndrome e que requer alguma perseverança e persistência para observar resultados favoráveis para si mesmo. No entanto, o caminho é infinitamente recompensador.
3 – Quando há a consciencialização da síndrome, existe um efeito semelhante a um despertar de um sonho, recordando o filme “The Matrix”, sobretudo quando o protagonista decide tomar a pilula da verdade que custa engolir. Poderá passar por alguns períodos de incertezas e indefinição, reconhecendo a manipulação e a ilusão no qual tem vivido, no entanto o futuro lhe trará frutos emocionais que jamais pensará abdicar. Talvez irão existir relações que podem terminar, empregos que podem tremer ou desilusões inesperadas. Se tal acontecer significa que toda e qualquer perda é sinal de “vampirização energética” que lhe estava a roubar energia vital, preciosa para seguir abertamente com a sua vida. Toda e qualquer perda que surja nesta fase é sintoma que está a ir na direção certa.
4 – Importante salientar que a síndrome nunca deixará de existir como modo de funcionamento perante o mundo que vê. Ao transcender a síndrome, não passará a ser um animal que pensa em consumir tudo que lhe aparece pela frente, mas sim trará mais coerência a sua vida, fazendo escolhas que o façam sentir bem, sem culpa, com a máxima:
“Não faças aos outros o que não queres que façam a ti…”.
O nosso inconsciente nunca procura causar dano no outro por pensarmos mais em nós, porque, na essência energética é altruísta e busca incondicionalmente o “bem comum”. A necessidade em agradar, o querer anular-se em função do outro e ter comportamentos contrariados, deixarão de fazer sentido e perderão a sua importância.
“Cuidado com os que se autoproclamam como salvadores do mundo porque esses são lobos em pele de cordeiro.”
“A criação de ídolos é doença da humanidade. A partir do momento que entrega o seu poder nas mãos de outro, entregará a sua alma como uma ovelha num matadouro.”
Os salvadores deste mundo deverão aprender a acreditar que, pensar em si mesmos, não é um ato de egoísmo, mas sim de profundo amor-próprio e um exemplo de Individuação.
Por: Marco Sousa, Psicologia Moderna Integrativa
Fonte: https://www.verdadesdocorpo.com/2019/12/18/a-sindrome-da-boa-pessoa/
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